quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O PASSEIO

Das grandes histórias que escuto, ouso somente o delírio do passado. Ser velho não é uma opção. A percepção da morte a beira da compreensão da vida faz de mim um sábio frustrado, personagem sem direito a glamour.
Veja só ! Não faz muitos dias recebi uma visita do meu neto, um rapagão, homem formado... Não sei bem a idade dele - beira os 35 anos -, é casado e sua esposa está grávida, logo serei bisavó, - não que isso signifique alguma coisa -, mas a informação vale.
Logo o enfermeiro me conduziu a porta da sala de visitas, meu neto se levantou e pegou uma cadeira de rodas, disse que me levaria para dar uma volta no jardim. Fazer um passeio.
Como eu disse ser velho não é uma opção, como também não tive opção de rejeitar “o passeio”. Alias pensar sobre ter ou não opção sempre foi uma constante em minha vida. Pra começar meu nascimento fez meu pai optar em vir para a capital com minha mãe e meus irmãos. Eu sou o quinto filho, e meu pai não teve como recusar uma oferta de emprego na fabrica de sapatos do velho Italiano, oferta esta que meu pai estava protelando em aceitar e com o meu nascimento ele não teve opção, afinal a família estava grande demais para ele sustentar somente com o trabalho na roça.
A fábrica do Italiano ainda existe. Inclusive meu neto estava calçando um sapato da marca do velho. Provavelmente meu neto não teve melhor opção de calçado. Não que ele seja pobre, na verdade ele é influenciável...
E quem diria ?! A marca do Italiano está na moda!
E moda para pessoas como o meu neto é um ótimo atalho para se tomar uma decisão.
“Uso este ou aquele?”
“Já sei! Aquele, pois este está fora de moda”
Se velhice estivesse na moda, ai sim poderia dizer que ser velho é uma opção. Mas não é! Por isso estou nesse asilo, por isso estou conversando com o senhor, por isso tive que dar um passeio no jardim com o meu neto.
Com meu neto, com as grandes histórias e com os delírios...Outros delírios !

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O DESTACADO - O ESCOLHIDO

..quando o cachorro atravessou a rua balançando o rabo e com a língua largada no canto do focinho, o saco de lixo já se conformava com o seu final...

Sacos de lixo têm um grande problema, são criados para sofrerem, todos são assim.
Eles ficam todos grudados uns ao outros, não podendo usufruir nem um pouco de individualidade. São todos da mesma cor, mesmo tamanho, são padronizados e classificados pela quantidade de litros que podem receber.
Infelizes sacos! Quando algum é destacado por alguma mão aflita, logo sente que poderá se mostrar único. Afinal ele foi dentre vários o DESTACADO.
Carregado pela mão solicita, logo depois que a euforia de ter sido escolhido passa, o saco pensa:
“Que resíduo o destino reserva para mim?”
Afinal pouco se sabe sobre o que acontece com aqueles que são destacados, a única coisa é que as mãos determinadas os enchem com todo tipo de resíduos. Por isso ser destacado dá uma sensação de alegria muito curta diante do improvável, afinal de contas pode-se enfiar saco abaixo de folhas secas a bosta de animal...
Ser destacado da maioria significa sair de uma vida padronizada para ter sua tão esperada individualidade trocada pelo o que as mãos terríveis acham por bem um saco ter como conteúdo.

...o saco que neste momento está para ser destroçado pelo Vira-lata, conformado está, os restos de frango que ele guarda atraiu o cachorro. Diante de tal final, mesmo conformado o saco clama:
“ Meu deus será este o final dos escolhidos, ser destroçados por bocas famintas? Acho que eu mereço, afinal carrego em mim o resíduo do destino de outro escolhido. Pobre frango destacado!”
Neste momento quando o cachorro atravessou a rua balançando o rabo, distraído pela fome, terrivelmente foi atropelado.
O saco de lixo, diante daquela situação concluiu:
“A vida é realmente irônica!
Algum irmão destacado recebera como conteúdo o cadáver desse cão que a minutos atrás iria acabar com a minha vida para comer o cadáver de um frango escolhido...

Pobres de nós os escolhidos e destacados!
Pobre cão atropelado!